Referência: DAHL, 1971 (Poliarquia, edição de 1997 da Edusp com prefácio de Fernando Limongi)
A referência número 1 quando se fala em democratização na ciência política é Poliarquia de Dahl. Nas notas abaixo, estão os fichamentos que fiz de cada um dos capítulos do livro.
0. Prefácio, por Fernando Limongi
A transição da democracia para o autoritarismo é comumente analisada a partir do conceito de Poliarquia, que considera os eixos de competição e participação. Inicialmente, a teoria da modernização (Lipset) dominava o debate, argumentando que o desenvolvimento econômico leva à democracia ao reduzir a pobreza e fortalecer a participação política.
Barrington Moore criticou essa visão determinista, destacando que a democratização depende da força da burguesia e do confronto com elites agrárias, podendo levar a diferentes trajetórias, incluindo regimes autoritários. Huntington complementa essa visão, afirmando que a modernização pode gerar instabilidade e, paradoxalmente, favorecer regimes autoritários como resposta à crise política e econômica.
Robert Dahl rompe com essa tradição ao enfatizar o papel do pluralismo como fator determinante da democracia, demonstrando que regimes democráticos podem surgir antes da modernização econômica. Contudo, suas contribuições são limitadas pela falta de uma explicação clara sobre como aumentar o pluralismo e pela ausência de métricas precisas para mensurá-lo.
Assim, três grandes abordagens emergem sobre a democratização:
- Teorias da modernização (socioeconômicas) – Lipset, Moore, Huntington
- Teorias culturais – Tocqueville, Almond & Verba, Putnam
- Teorias institucionais – Douglass North, Dahl, Sartori
O trabalho de Dahl marca um avanço ao enfatizar o papel das instituições políticas e dos atores na manutenção da democracia, contrapondo-se às explicações exclusivamente econômicas ou culturais.
1. Democratização e Oposição Pública
Robert Dahl busca explicar o processo de democratização, ou seja, a transição de um estado pouco plural para um mais plural politicamente. Ele define a democracia ideal como um regime no qual a população pode formular, expressar e ter suas preferências igualmente consideradas pelo governo, o que requer garantias institucionais como liberdade de associação, expressão, voto, eleições livres e acesso a informações.
No entanto, Dahl argumenta que essa democracia ideal nunca será plenamente alcançada, sendo mais útil analisar seu correspondente empírico: a poliarquia, caracterizada pelo alto nível de contestação pública e participação política.
A partir desses eixos, ele define uma matriz de quatro estados políticos possíveis:
- Hegemonias fechadas (-,-)
- Oligarquias competitivas (+,-)
- Hegemonias inclusivas (-,+)
- Poliarquias (+,+)
As transições entre esses estados ocorrem por meio de liberalização (aumento da contestação pública), inclusão (ampliação da participação política) ou democratização (crescimento simultâneo de ambos). Dahl foca especialmente nos processos que elevam a contestação pública e restringe sua análise ao contexto nacional, embora reconheça que seu modelo possa ser aplicado a outras esferas (sistemas internacionais, locais ou específicos - como movimentos, empresas, igrejas etc.).
Por fim, o autor apresenta três axiomas fundamentais sobre a tolerância à oposição:
- A tolerância aumenta quando os custos esperados da repressão superam os da permissão.
- A tolerância cresce conforme aumentam os custos de eliminar a oposição.
- Quanto maior a diferença entre os custos da supressão e da tolerância, maior a chance de um regime competitivo.
Com isso, Dahl antecipa que investigará os fatores que determinam esses custos, buscando explicar os processos que levam à democratização. Mas antes, irá explorar a importância da poliarquia.
2. Qual a Importância da Poliarquia?
Antes de avançar em sua análise, Robert Dahl destaca a importância do conceito de poliarquia, demonstrando que os regimes políticos não são meras trocas de governantes, mas estruturas com impactos significativos. Ele usa o caso da Itália pré-fascista para ilustrar essa relevância.
Dahl então apresenta seis questões associadas ao regime político:
- Poliarquias garantem mais liberdades políticas e individuais.
- Poliarquias asseguram maior representação da população nos quadros políticos.
- Em poliarquias, os dirigentes estão mais próximos da população em diferentes níveis.
- Poliarquias permitem maior diversidade de ideias e preferências representadas.
- O impacto de hegemonias fechadas nas políticas públicas é inconclusivo, mas regimes autoritários tendem a impor sanções mais severas à população (exemplos incluem o Holocausto e campos de trabalho forçado). Ele discute o caso dos EUA e a segregação racial como possível exceção dentro de uma poliarquia.
- Dahl sugere que regimes podem influenciar a cultura e as crenças da população ao longo do tempo, invertendo a relação tradicional entre cultura e instituições.
O autor conclui ressaltando que a análise do livro se baseia em um ferramental analítico independente de preferências políticas e rejeita qualquer noção determinista de um caminho histórico fixo entre regimes.
“Para Popper uma proposição pode ser ou teórica ou histórica, mas nunca ambas ao mesmo tempo” - Referência